Bibliofilia: Amor por livros e por ler. O Bibliófilo ama ler e sente devoção pelos livros, colecciona-os e admira-os.

15/03/2013

Atlas das Nuvens


Autor: David Mitchell

Título original: Cloud Atlas

Editora: Dom Quixote, 2007

Tradução: Artur Ramos e Helena Ramos (+)

Nº Páginas: 616

ISBN: 9789722029940

Primeira Edição: Sceptre, 2004

Sinopse: Um viajante forçado a atravessar o oceano Pacífico em 1850; um jovem compositor deserdado, conquistando à força de tortuosas invenções um modo de vida precário num solar da Bélgica, entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra; uma jornalista com princípios morais na Califórnia do governador Reagan; um editor menor fugindo aos seus credores mafiosos; o testamento de uma «criada de restaurante» geneticamente modificada, ditado na ala da morte; e Zachry, jovem ilhéu do Pacífico que assiste ao crepúsculo da Ciência e da Civilização: são os narradores de ATLAS DAS NUVENS, que escutam os ecos uns dos outros através dos corredores da história e vêem os seus destinos alterados de várias maneiras.

Opinião: Não sabia que este livro existia até começar a promoção do filme baseado nele. No final do ano passado, antecipando a estreia do filme em portugal, vários conhecidos cujas opiniões valorizo o começaram a ler, e perante opiniões unânimes de aprovação, resolvi começar a ler a edição inglesa. Confesso que desisti ao fim de algumas páginas, para pegar na edição portuguesa uns meses mais tarde, porque a escrita densa e repleta de peculiaridades geográficas e de época me desarmou logo no primeiro capítulo. Ao pegar no livro em português, gentilmente emprestado pela Célia (Obrigada!), imediatamente me rendi à escrita e à história deste Atlas das Nuvens. 

É-me muito difícil falar acerca deste livro. É difícil de explicar com precisão porque é que o devem ler, mas por favor, façam-no. 

Atlas das Nuvens é um conjunto de 6 histórias independentes entre si em geografia, data e tema, mas ligadas por subtis linhas do destino. As páginas do diário do americano Adam Ewing ao atravessar o Pacífico em 1850; as cartas do jovem compositor Robert Frobisher, caído em desgraça em Inglaterra e que encontra abrigo na Bélgica pós-Primeira Guerra Mundial; as aventuras de Luisa Rey, jornalista cujo caminho se cruza com um relatório contendo os planos defeituosos de uma central nuclear na América de 1975; no tempo presente, Timothy Cavendish, um editor de 65 anos vê-se forçado a fugir da família de um autor pouco sério, acabando na Escócia em condições preocupantes; num futuro distópico, Somni~451, uma "fabricante" oriental geneticamente modificada para pertencer à classe trabalhadora presta declarações gravadas digitalmente a um "arquivista" antes da execução da pena de morte; o relato de Zachry, um idoso habitante de uma ilha no Pacífico, que conta histórias da sua juventude num mundo depois da "Queda", onde a tecnologia não existe e a própria linguagem está fragmentada.

Este é o conteúdo do Atlas das Nuvens, e se analisando as curtas sinopses ficamos com a sensação que pouco há em comum entre as histórias, ao lê-las sentimos que poderiam ser, não apenas livros diferentes, mas até escritas por autores diferentes, tal é a variação na narrativa, nas personagens e nos géneros. Desde a ficção histórica de Adam Ewing e Frobisher, o thriller de Luisa Rey, passando pelo texto quase humorístico de Timothy Cavendish até à ficção científica e distópica de Somny~451 e Zachry.

Mas muito mais do que o conteúdo em si, o que me fascinou neste livro foi a forma. A estrutura física da obra e da escrita fazem este livro único e imperdível. David Mitchell constrói uma narrativa diferente para cada uma das suas histórias, e apresenta-as numa curiosa estrutura de cebola, com as suas camadas dispostas em redor do miolo central (foi a melhor analogia que me consegui lembrar, mas também já li em reviews a analogia com as bonecas russas Matryoshka, que me parece mais engraçada e menos aromática). Começamos o livro pela primeira metade diário de Adam Ewing, avançamos no tempo e no espaço até à primeira parte das cartas de Frobisher, depois a primeira parte da história de Luisa Rey, seguidas da primeira parte da Terrível Provação de Timothy Cavendish até ao início do Orison de Somni~451. Neste ponto chegamos à história de Zachry, a única história a não ser dividida e a peça central do livro, passado no ponto mais avançado no tempo. Finda a odisseia de Zachry, regredimos novamente no espaço e no tempo, com as segundas metades das histórias surgindo pela ordem inversa, completando as camadas em redor da história central e terminando o livro com a história que o começou. 

Confuso? Pelas minhas palavras, provavelmente, mas pelas de David Mitchell. não. A brilhante escrita e visão do autor transformam uma cebola numa peça literária inesquecível, e as ténues e ao mesmo tempo fortíssimas ligações entre as histórias são deliciosas e transformam o leitor num cúmplice das personagens. A cada pequena peça de informação sentimo-nos como alguém que lê os sinais e os entende e às suas consequências, mais do que as próprias personagens, e apetece dizer-lhes "Eu sei! Eu sei!" (pequena piada privada para quem já leu o livro). É difícil de definir o tema deste livro, mas eu diria que é uma história sobre a natureza humana e sobre o poder que os seres humanos têm um sobre os outros.

Uma obra fantástica, para ler com disposição e com calma para apreciar todos os detalhes das 6 histórias e mais de 500 páginas. Pode não ser uma leitura fácil (o que determinou a diferença entre as 4 e as 5 estrelas) mas fico imensamente feliz por não ter desistido de vez deste livro singular. 

Uma nota muito positiva desta tradução da Dom Quixote (não sei se a edição da Presença tem os mesmos tradutores), que numa obra complexa e muito difícil de traduzir, conseguiram fazer um excelente trabalho. 


O melhor: A estrutura da obra e a escrita

O pior: Nada que me ocorra


4/5 - Gostei bastante


3 comentários:

  1. Por curiosidade, podes explicar - se conseguires hehe - porque acabaste por não lhe dar 5 estrelas? Um dia tenho que ler este livro, talvez deixe passar mais tempo para me esquecer o mais possível do filme.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pergunta difícil! :P
      Não consigo explicar bem o porquê, mas reconhecendo a qualidade da obra, de alguma forma não sintonizei totalmente durante parte da leitura. Em certas alturas senti-me overwhelmed pela história, como se não conseguisse manter o seu ritmo. Acho que tem mais a ver com timing e disponibilidade do que outra coisa, li o livro em grande parte no trabalho e nos transportes, e intercalado com uma parte particularmente interessante d'Os Miseráveis e talvez a minha atenção não estivesse totalmente na parte final do livro. É como digo, um livro para ler com calma. Acho que irias gostar, mas se já viste o filme é bom deixar passar algum tempo :)

      Eliminar
    2. Percebo isso completamente. E sim, daqui a um ano ou dois. Há tantos livros para ler que não me custa nada adiar este para daqui a bastante tempo. Os Miseráveis, aí está outro livro que eu devia pegar. Mas sei lá!

      Eliminar