Bibliofilia: Amor por livros e por ler. O Bibliófilo ama ler e sente devoção pelos livros, colecciona-os e admira-os.

18/03/2013

A estante não faz o bibliófilo

Várias vezes nos últimos meses me apercebi de como a minha postura perante a aquisição de livros mudou no último ano, e o meu último post de aquisições deixou-me a reflectir sobre essa mudança. Não digo que gastasse fortunas em livrarias, até porque não teria como, mas quando comecei a trabalhar e a ganhar o meu próprio ordenado, e principalmente quando fui morar sozinha na minha própria casa, comecei a comprar livros a um ritmo muito superior ao meu ritmo de leitura, o que resultava num aumento constante da pilha de livros por ler. Até há um ano, fazia mais ou menos mensalmente pelo menos uma encomenda de livros online, Amazon, Book Depository, Fnac ou Saída de Emergência, poucas vezes comprava livros por impulso, mas aproveitava promoções e descontos quando estes surgiam e valiam a pena. Desde ofertas de livros na compra de outros, vales de desconto, promoções online, livros em segunda mão ou feiras do livro, aproveitava sempre que o valor compensava e o livro me interessava. Para ler de seguida ou mais tarde, fui enchendo a estante de livros lidos e para ler. 

Isso nunca me incomodou. Sempre olhei para a coisa como um investimento, além duma paixão. Como qualquer bibliófilo, nunca deixei de comprar um livro porque ainda tinha muitos para ler em casa (isso não faz sentido nenhum), e nunca achei que era altura de ter menos livros, pelo contrário. 
The Bookworm - Carl Spitzweg, 1850

Sempre soube que queria a minha casa cheia de livros, e que se não tivesse tempo para os ler todos, fariam sempre parte da minha biblioteca, disponível para amigos e família, e principalmente disponíveis em qualquer altura no futuro. Sempre soube que os meus livros me acompanhariam na minha vida e até a uma geração seguinte. 

Quando não os estava a ler, dava por mim simplesmente a olhar pasmada para as minhas estantes repletas e a pensar como as lombadas eram bonitas todas alinhadas, como os volumes das minhas sagas favoritas ficavam tão bem todos juntos e de como a sala seria tão mais triste sem livros. A sensação maravilhosa de orgulho parvo de alguém entrar em minha casa e exclamar com admiração "Uau! Tantos livros!"


Nunca vivi numa casa sem livros. Os meus pais sempre nos rodearam de livros e conhecimento enquanto crescíamos e continuei a rodear-me de livros na vida adulta. Aos 18 anos, deixei a terra natal e levei comigo os livros que eram apenas meus e não da casa (muito poucos, resultado de uma infância e adolescência passadas a ler e reler livros emprestados de amigos e bibliotecas). No Porto, mudei de casa inúmeras vezes e de cada vez etiquetei mais caixas com "livros" do que na vez anterior. Na minha última mudança, a mais drástica de todas, foi obviamente difícil separar-me da família, amigos e gatas, mas esteve tudo envolto no véu do entusiasmo com os preparativos e preparações nos meses anteriores. Foi quando a minha avó me ajudava a empacotar os meus mais de 400 livros que de repente se tornou real: estava a deixar a minha casa para trás. 

Apercebi-me subitamente que os livros sempre me deram a familiar sensação de estar em casa. Levei os meus livros juntamente com as minhas gatinhas para a casa dos meus pais, por isso posso literalmente dizer "Home is where your books are". 


Passei disto:
(fotos péssimas tiras à pressa e sem luz!)











Para isto:
(incluindo livros do namorado)








Depois da separação física que acabei de dramatizar aqui, tenho de admitir que já não consigo comprar livros com a mesma leveza com que o fazia antes. Numa altura em que muita gente deixa de comprar livros por razões de orçamento, eu tenho as condições mas tenho outras reticências. 

Estou numa casa diferente, num país diferente, e sabendo que estarei por aqui por agora, também sei que não vou ficar aqui para sempre. Tenho o meu Kindle maravilhoso e adorado, que me facilita a vida de leitora desterrada como nunca imaginei, mesmo quando choramingava que o queria. Por cada livro que compro surgem-me as questões: "Vou poder levar-te comigo se decidir mudar outra vez?", "Vou ter de te deixar para trás?", "Cabes na bagagem de mão?", "Vou-te levar se tiver de escolher entre ti e a máquina de café?". 

Como não sei como responder a estas perguntas, a maioria das vezes decido não comprar. Ainda assim, sempre que vou a casa tento trazer pelo menos um livro, dando preferência a livros em português. Ao longo de um ano e ultrapassando as limitações de peso e dimensões de bagagem das companhias aéreas (por vezes com batota descarada), alguns dos livros "arquivados" foram regressando ao regaço de sua dona. 


Se por um lado não posso encher-me de livros dos quais posso ter de me desfazer, por outro já não preciso de ter livros, de os possuir fisicamente e sempre mais. Cada nova compra é um misto de vontade de o ler, preço e oportunidade, e também de recordação. Compro livros de autores favoritos, em locais especiais, quando me fazem pensar em alguém. Sinto-me triste por não ter a minha biblioteca comigo (por vezes sinto saudades dos meus livros, sim, isso mesmo, agora pensem o que quiserem!),mas ao mesmo tempo sinto que evoluí no meu percurso de leitora. Já não preciso (tanto) do conforto físico dos livros para saber que os adoro. Não preciso de ter uma biblioteca enorme para ser uma bibliófila. 


A minha biblioteca viajou de volta para a terra natal, desta vez sem mim. Eu continuo a fazê-la crescer do outro lado da fronteira, e qualquer dia junto as estantes outra vez.

17 comentários:

  1. O teu texto relembrou-me imenso quando era estudante e uma vez, ao fazer a mala apercebi-me que tudo o que eu precisava cabia numa mala. Essa perspectiva mudou muito a forma como eu "possuo" as minhas coisas e faz-me pensar ainda hoje porque é que eu estou a dispender tanto dinheiro e energia em "ter" determinadas coisas, quando tudo o que realmente precisamos cabe numa mala.
    Mas só para terminar o meu comentário de uma perspectiva mais positiva: quando penso na decoração da minha casa, penso mais nas estantes que vou ter do que nos sofás. :)

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    1. Sempre que mudo de casa (e já foram algumas vezes) fico overwhelmed com a quantidade de "coisas" que possuo, e qdo mudei aqui em Barcelona apenas 5 meses depois de cá estar quase tive um ataque de ansiedade com tanta tralha!
      Qdo morava sozinha o meu Graal de decoração também eram as estantes :)

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  2. O próximo passo é desfazeres-te de livros que já não te dizem nada :D

    Adorei ler o teu texto, como sempre ;)

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  3. Gostei do teu texto :) Apesar de ainda não ter perspectivas de ir morar sozinha tão depressa, infelizmente, estou como a Telma: penso mais nas estantes que quero ter do que nos sofás, televisão, cama, etc... :P
    Confesso que gosto de ter os livros, de os ver todos bonitinhos nas estantes e tal. Mas nos últimos tempos não tenho podido comprar tantos livros e o que me vale é o Kobo porque, apesar de não os ter fisicamente, acabo por lê-los na mesma e isso é o que interessa :)

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    1. Sem dúvida que o Kobo/Kindle ajuda imenso a manter o espírito de leitora quando por algum motivo não se compram tantos livros.

      Eheh, como respondi lá em cima à Telma, quando estive sozinha também dei prioridade às estantes, só comprei sofá quase um ano depois de mudar de casa :P

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  4. Adorei o teu texto. E percebo o dilema de levar os livros, mas numa escala menor. Em Sines, tinha sempre, pelo menos meia dúzia de livros numa prateleira e em Leça levava 2/3 livros dentro da mala, mas sentia falta das estantes e dos livros que tinha em casa.
    Apesar de ainda não ter casa, penso muito nas estantes que gostaria de ter =)

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  5. Eu nunca fui muito apegada a livros, mas também sempre imaginei a minha casa forrada a estantes. Agora que passo a vida rodeada de estantes sinto a minha vista cansada. Já cheguei a pensar "há livros a mais" e isto na minha casa, no meu quarto tão fofinho e acolhedor com tanto livro que, não sei como, consigo lá enfiar. É que nem é no trabalho que tais pensamentos me assaltam (acaba por ser mais "não, mais um monte de livros para arrumar não") mas em casa, no cantinho dedicado à, pasme-se, leitura! E se costumava dizer que eu não precisava de mais estantes, precisava era de uma casa para todos os meus livros, agora quero ter algo minimalista, com paredes a branco, forrada aqui e ali com quadros/fotos/posters.

    Mas o certo é que continuo a juntar livros. Este ano não comprei mas já tenho recebido alguns, mas escolhi apenas aqueles que sei que vou ler porque a curiosidade é muita e vem de há muito tempo. O pior, reparo agora, são os e-books. Como não ocupam espaço e não são visíveis, por assim dizer, tenho vindo a colecioná-los *imagina o Kindle como uma casa que aparece no Hoarders* sem qualquer tipo de contenção, até tenho títulos dos quais nunca ouvi falar. :/

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    1. Carla estás com sintomas de overdose de livros! Seja efeitos do trabalho ou da asfixia das estantes em casa (os dois?) precisas de descansar a cabeça! Vida de bibliófila pode ser overwhelming :)
      Uns dias de descanso de livros e internet faziam-te bem :)

      Aaaaai eu nem penso nos e books! Tenho mais de 5000 no pc, alguns nunca ouvi falar nem sei porque tenho. Para o kindle só passo os que tenciono ler eventualmente ou freebies da amazon, e são 200 (acabei de ficar chocada com este número e nem sei mais o que dizer =\ lol)

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  6. LOL Overdose de livros? I haz it! xD

    Eu este ano estou a tentar não ligar a números. Quantos livros leio, quantos compro, quantos anos é que vou demorar a ler TUDO o que tenho por ler... não me interessa. Já stressei muito com isso e como já percebi que nem que vivesse para sempre seria capaz de ler tudo o que foi, é e virá a ser escrito, quero é aproveitar o que posso e realmente vou lendo. :)

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  7. Eu mesmo com o Kindle continuo a comprar e a acumular livros. É mais forte do que eu e tento não me culpabilizar por isso. Afinal, há quem gaste muito mais em roupa e acessórios, são opções e cada um sabe de si.
    Nos tempos de estudante não senti falta dos livros porque ia a casa praticamente todos os fins de semana e dava para matar saudades e para trocar os livros quando fosse preciso.
    E parece que a síndrome "a primeira coisa que vou comprar para a minha casa é a estante" é geral. Quando fiz a primeira visita à minha actual casa a primeira coisa que pensei quando vi a sala foi "OMD, aquela parede é perfeita para forrar inteirinha de estantes!" Yeap, está praticamente do chão ao tecto!

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    1. Landslide quando fiz a visita à minha casa no Porto também tive uma "visão" das estantes que queria. Infelizmente não cheguei a viver lá tempo suficiente para implementar o meu plano bibliófilo, mas um dia :)
      Fiquei curiosa, já mandaste as tuas estantes para a Célia? :P

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  8. Quase acidentalmente, encontrei este blog e não pude deixar de sorrir. Por duas razões. Primeiro, porque é agradável descobrir pessoas que gostam de livros e de leituras (é claro que as estantes são muito mais importantes do que os sofás, não?). Depois, porque o maior drama da minha procura de casa há alguns anos atrás foi encontrar uma que tivesse espaço para todos os livros sem cobrir as paredes de todas as divisões.

    Mesmo com o Kindle e o computador carregados de livros, as pilhas continuam a crescer por todo lado e já deixei de me preocupar muito com a desarrumação.

    Mas alguma vez os livros podem ser demais? Por coincidência, escrevi um post sobre isso ontem mesmo no meu blog recém-nascido. Que não é sobre livros, porque aquilo que mudou na minha atitude ao longo dos anos foi que passei a valorizar mais o conteúdo e a relativizar o interesse do objeto.

    Boas leituras!

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  9. Tenho umas boas centenas de livros no kindle, não tantos fisicamente nas estantes, mas não me importo de aumentar o seu numero quer num ou noutro lado. Aprecio o prático que o kindle é, mas adoro mesmo os livros, nas estantes, empilhados já lidos ou à espera de serem lidos. E entendo-a perfeitamente. Queremos ser práticos, leves nas mudança, mas as saudades de ter livros... são tantas...

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    1. Saudades dos livros, que bom ser entendida Maria João :)

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  10. Não poderia imaginar um Kindle substituindo o toque do papel, seu peso e textura...sem mencionar o cheiro do tempo...mas meus livros tem de 40 a 90 anos de idade... tem certos livros que devem ser lidos unicamente sob a forma de sua primeira edição e são, por essência, obras de arte. Maluco eu? Guilt as sin! (risos)

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  11. Sem dúvida, que ver uma sala com estantes cheias de livros dá-nos um conforto enorme, eu tenho uma modesta biblioteca que encomendei ao meu pai que é carpinteiro, como sempre quis, algo como se fosse uma janela, sim uma janela para o mundo!
    Desde pequeno que adoro livros, e agora com 19 anos tenho vindo a comprar mais e mais as grandes obras do mundo e alguns livros que vejo nas feiras muito velhinhos alguns com 40, 70 e até 90 anos, que fico triste por os ver ali numa ameaça constante de se não forem vendidos vão para o lixo. Bem as saudades dos livros é super normal, penso eu, há vezes durante o dia que só me apetece ir para perto da minha biblioteca abrir as suas portas e sentir o cheiro daquelas páginas de conhecimento condensado em cada volume, não sei se é curioso mas quando preciso de me inspirar para fazer algum trabalho ou estudar algo difícil, pego em alguns livros de grandes autores coloco em cima da secretária e parece que as ideias simplesmente fluiem...
    Quero agradecer todo o trabalho neste blog, porque finalmente encontro pessoas que sentem o mesmo que eu :)

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