Fico sempre surpreendida como as coisas mudam.
Há uns dias falava com a Célia acerca das nossas primeiras impressões quando foi lançado o primeiro Kindle da Amazon, no longínquo ano de 2007. Já com tecnologia e-ink, este leitor parecia bastante rudimentar e pouco promissor, especialmente para uma mente fechada como a minha. Nessa altura eu era ainda uma fervorosa defensora dos "verdadeiros livros", que nunca seriam ultrapassados pelas versões digitais, em última instância porque eu própria jamais renunciaria aos livros físicos. Jamais! Na ponta da língua tinha o manifesto anti-ebooks:
Porque os equipamentos não são funcionais!
Porque ler num ecrã é penoso e cansativo!
Porque a bateria do leitor pode acabar a qualquer momento!
Porque gosto de sentir o peso e textura dos livros!
Porque ando sempre com um livro comigo!
Porque nunca vai ser tão fácil aceder a um ebook como ir à estante buscar um livro!
Nunca vai ser a mesma coisa!
E, alas, e-readers não têm cheiro a livro! Pim!
Em 2010 era lançado o Kindle Keyboard, ou Kindle 3, um equipamento de terceira geração, com tecnologia melhorada. Foi este modelo de Kindle que me interessou pela primeira vez. Sempre convicta na minha fé anti-ebook, permaneci desdenhosa e pouco impressionada (mas ainda assim algo impressionada, contra a minha vontade). Com mais opiniões disponíveis na web, continuava em esforço para resistir à conversão. Quando as opiniões começaram a vir de pessoas próximas que acabaram por adquirir um, a situação tornou-se subitamente séria.
Mas como assim, não cansa os olhos?
Como assim, o ecrã não reflecte a luz?
Como assim, não tem comparação com leitura num computador?
Definam "lê-se bem quase como em papel".
Até que, não sei exactamente quando, cedi à tentação e deixei-me seduzir pelo Kindle. Lia as palavras racionais das e-evangelistas Célia e da WhiteLady3, espalhando a e-palavra, e cada dia me convertia mais. A Amazon, tal como revolucionou o negócio de venda de livros, fez o mesmo com a indústria dos e-books. Com uma tecnologia inovadora e uma oferta de livros satisfatória, criou um produto que finalmente vai de encontro às necessidades e exigências do leitor. O e-reader deixava de ser apenas mais um gadget sofisticado, e passava a ser uma verdadeira ferramenta de leitura, para o verdadeiro leitor.
Em Março de 2011, já convertida, adicionava esta imagem ao blog, simultaneamente uma declaração de rendição e uma sugestão para a minha entidade paternal, que eu sabia que frequentava este espaço. Não teve o efeito pretendido.
Durante todo o Verão as discussões sobre como o kindle é um amigo do leitor e dos livros estiveram ao rubro, com o anúncio de um novo modelo a ser apresentado perto do fim do ano. Em Setembro foi lançado o Kindle 4. O modelo "low cost" do Kindle, mais pequeno, mais leve, mais barato e com menos funcionalidades mas focado na sua função primária: leitura.
Veio o Halloween, e com ele um piquenique onde a Sofia mostrou o seu novíssimo Kindle 4. Foi amor à primeira vista. Tendo ouvido e lido tudo o que havia na net para ouvir e ler sobre o Kindle, nunca tinha visto um ao vivo. Fiquei maravilhada com a qualidade de um ecrã que "parece mesmo papel" e com o comportamento bizarro da e-ink no ecrã, imitando tinta real. Tentei metê-lo na minha carteira à socapa (fracassei) e desde esse dia o meu twitter feed nunca mais foi o mesmo.
A hashtag #euqueroumkindle foi a mais popular durante semanas, e eu, qual arauto do Kindle, não me coibia de explicar a quem me quisesse (e não quisesse) ouvir porque é que o Kindle é um objecto de leitura fantástico e de enumerar todas as suas vantagens e desvantagens. Com a mudança de emprego em vista, fazia planos para um primeiro ordenado amazónico.
Mas, conforme referi no primeiro post deste ano, um grupo de pessoas maravilhosas lembrou-se de acabar com as minhas lamúrias diárias no twitter, e juntou-se para me oferecer o tão desejado Kindle 4. Recebi-o precisamente há um ano, um dos melhores presentes que alguma vez recebi, da forma mais improvável e prestes a levar muita gente à loucura, com as minhas recusas em encontrar-me pessoalmente com o meu presente (eu a pensar que estavam a tramar uma qualquer infame manifestação de despedida. Oh meu deus, se eu soubesse! Ah, a ignorância!). O vídeo em que desembrulho o meu presente, que todos os amigos assistiram de vários pontos do país (e no Rio de Janeiro!) já não está disponível online, mas para mim permanece bem presente esse momento na minha memória. Muito mais do que pelo objecto em si, um gesto mais que tocante, numa altura em que tive de deixar todos os meus livros para trás. Acho que nunca vou agradecer o suficiente.
Já foram publicadas mais do que suficientes opiniões e reviews do Kindle, e por isso não vou fazer uma. A minha opinião relativamente a e-books saiu reforçada com a minha experiência de um ano de Kindle; com o melhor da tecnologia ao meu dispor posso usufruir das vantagens e ao mesmo tempo continuar a adorar livros. Porque esse é o pior erro de quem segue as linhas do meu manifesto anti-ebooks: ler ebooks não significa deixar de ler livros físicos.
Num ano de kindle li 15 livros completos, e em 4 alternei entre as edições física e digital. Não é um número gigante, mas tendo em conta que li 32 livros no ano passado, é uma proporção interessante.
O primeiro livro que li no meu kindle foi The Help, de Kathryn Stockett, que acabou de se revelar um dos favoritos do ano.
O primeiro livro que li no meu kindle foi The Help, de Kathryn Stockett, que acabou de se revelar um dos favoritos do ano.
Alguém disse que só as pessoas estúpidas nunca mudam de opinião. Eu mudei ao longo do tempo e o meu manifesto anti-ebooks soa-me agora obsoleto. Ter um kindle não fez de mim menos bibliófila porque...
Os equipamentos não são funcionais!
Os equipamentos são cada vez mais práticos e funcionais. O Kindle revolucionou o mercado, mas há agora várias marcas de equipamentos tão bons ou melhores, a preços cada vez mais acessíveis.
Ler num ecrã é penoso e cansativo!
A tecnologia de electronic paper é fantástica e a leitura é bastante semelhante à leitura em papel. Não só não cansa os olhos como até leio mais rapidamente no kindle.
A bateria do leitor pode acabar a qualquer momento!
A bateria dura semanas mesmo com utilização diária, mais vezes me aconteceu acabar um livro em plena viagem e não ter mais nada para ler do que ficar sem bateria no kindle (nunca aconteceu).
Gosto de sentir o peso e textura dos livros!
Sim, gosto de sentir o peso e textura dos livros, mas como é útil ler um livro de 800 páginas sem lesionar os pulsos. Como é fantástico andar em transportes públicos sem carregar 1kg literário extra.
Ando sempre com um livro comigo!
Continuo a andar sempre com um livro comigo. Quando não tenho um livro físico, tenho centenas no kindle. Posso acabar um livro e iniciar outro imediatamente. Cansada, posso suspender uma leitura mais pesada por um livro que exija menos atenção. As possibilidades são tantas como a capacidade em disco permite (permite centenas).
Nunca vai ser tão fácil aceder a um ebook como ir à estante buscar um livro!
Muito poucos foram os livros que tive dificuldade em adquirir para o kindle. Porque assim que penso em ler um, está à distância de um clique.
Nunca vai ser a mesma coisa.
Não vai. Ler um ebook não é o mesmo que ler um livro físico. Vários livros tenho em ambas as edições, e vou continuar a adquirir livros e a suspirar com estantes.
Se o livro digital vai destruir o livro físico, creio que não será no meu tempo. Posso continuar a ler no meu adorado, querido, lindo kindle sem remorsos. (mas eu também achava que a tecnologias dos e-readers ainda tardaria muitos anos até estar ao nível das exigências dos leitores...)
A minha maior dificuldade é perceber como é que sobrevivi tanto tempo sem ele.
A minha maior dificuldade é perceber como é que sobrevivi tanto tempo sem ele.
Alas, e-readers não têm cheiro a livros. Por isso é que continuo a snifar livros.
Adorei o teu texto, eu passei por algo semelhante, se bem que acho que me converti mais rapidamente :P
ResponderEliminar(e-evangelista? LOL xD)
Sim, acho que te converteste mais rapidamente e passaste a ser veiculo de conversão :P
EliminarLembro-me bem dessa hashtag #euqueroumkindle! Apesar da minha aquisição de um e-reader ser mais recente, identifico-me completamente com tudo o que dizes. Primeiro é um "c'órror!! nunca! jamais venderei a minha alma!", depois passa-se para um "então espera lá, mas afinal como é que isso funciona?", para no final ser "OMD! eu quero um! agora! já!" xD
ResponderEliminarEmbora seja Team Kobo, reconheço que foi das melhores compras que fiz, nos últimos tempos. E também não é por ter um e-reader que deixei de comprar livros físicos, ou que deixo de suspirar sempre que entro numa livraria, ou que deixo de ansiar pela ida à Feira do Livro. :)
Gostei tanto do teu texto!
É mesmo isso de "vender a alma" aos ebooks. Como se de alguma forma passássemos a ser menos leitores por ler ebooks.
EliminarObrigada :)
Como eu estava a dizer, quando pensei que tinha carregado no Publicar e devo ter fechado a página (enfim :p )
ResponderEliminarTambém sou adepta de e-readers, não tenho um kindle, o meu bicho é da Sony e apaixonei-me pelo aparelho assim que lhe pus a vista em cima, apesar das mesmas dúvidas/conflitos que tu, dei uma oportunidade e comprei-o. No entanto a desculpa que dei foi para livros técnicos, revistas da área etc...o certo é que neste momento tenho tudo menos livros técnicos e revistas eheh. Não abdiquei dos livros físicos, tal como tu, chego a ter as duas versões, até porque comprar livros é um vício que nunca se perde e há coisas que um e-reader não consegue superar (o cheiro, o toque etc), mas a verdade é que existe espaço para os dois tipos existirem :)
Podia ter sido riot do blogger XD
EliminarConcordo plenamente, há espaço para ambos os formatos :)
Um texto muito bem-humorado e que mostra bem que podemos mudar de ideias sem que isso seja algo mau.
ResponderEliminarTambém tenho o meu kindle há +/- um ano e recomendo-o vivamente. Embora ainda leia mais livros físicos que ebooks (por culpa de ter tantos na estante para ler), o e-reader é tão ou mais confortável que um livro físico para ler. Tal como tu, também leio mais rápido no kindle que num livro físico, não sei bem porquê. Mistérios ...
Um equilíbrio entre os dois é o que me parece que vai ser moda num futuro próximo. Não vejo o livro físico a desaparecer mas acredito que cada vez mais gente vai ler ebooks, especialmente, talvez, o tipo de pessoas que raramente liam livros. E isso é bom.
Ana, conheço quase uma dezena de pessoas que têm kindle ou kobo e quase todas afirmam ler mais rápido do ereader no que um livro físico. Porque será? A minha teoria é que não perdemos segundos com virar de páginas, mudança de posição por cansaço dos braços, etc. Também acho que por o texto apresentado ser mais curto, ou seja, menos linhas, nos mantém mais focados na leitura e no seguimento das palavras. Por exemplo, sentir os olhos a "saltar" para uma parte mais abaixo no parágrafo ou para a página seguinte, obrigando-me a voltar atrás, frequente quando leio livros, nunca me acontece no kindle.
EliminarTocaste um ponto interessante: também acho que há muita gente que não lia livros físicos e começou a ler ebooks pela curiosidade do gadget e agora são leitores. Quanto a mim só pode ser positivo.
A conversão é algo doloroso, mas quando aceitas o e-reader na tua vida, toda uma estante infinita se abre.
ResponderEliminarOremos irmãos.
:D
Quanto à velocidade de leitura, por acaso penso que demoro mais a ler e sou capaz de stressar um pouco mais por causa da barra de progressão. Parece que às vezes encalha numa percentagem e nunca mais anda. Mas acho que acaba por ser devido ao livro, sinto mais isso em livros que não estou a gostar e julgo que aconteceria o mesmo, stressar por não chegar ao fim, no livro objecto.
Adorei o texto. Tal como tu também a minha opinião mudou ao longo do tempo. Não tenho um kindle, o meu desejo continua vivo, mas por enquanto leio no tablet. E adoro ler e-books, principalmente por ter acesso mais rápido a livros em inglês.
ResponderEliminarBeijinhos*
www.diariodachris.wordpress.com
Eu também fui como tu, ao início era bastante reticente em aderir aos e-books, mas depois que os descobri nunca mais os larguei. Não tenho um kindle, mas o sonho permanece, mas lei no tablet, e devo dizer que adoro principalmente por ter acesso mais facilitado e mais rápido a livros em inglês.
ResponderEliminarBeijinhos*
www.diariodachris.wordpress.com
O Kindle é muito bom, também não queria compra-lo, mas para mim é realmente igual a um livro.
ResponderEliminarOMG! Check, check, check a tudo! Eu converti-me ao kindle mais recentemente, mas também usava todos os argumentos que listaste. Não podia estar mais enganada... Estou rendida, mas lá está, não deixei de ler e comprar livros em papel.
ResponderEliminarAinda bem que estás de volta ao blogue!
Creio haver um conjunto de argumentos dificilmente rebatíveis a favor dos livros.
ResponderEliminarOs livros têm uma história física que lhes oferece uma vida para além de uma leitura circunstancial. Os livros ocupam um lugar numa estante e dessa forma contam uma história, têm uma existência física que lhes permite perdurar para além da nossa vida, servem como presente, permitem um autógrafo ou uma dedicatória.
Num livro é possível andar para trás e para a frente sem qualquer dificuldade.
Existem livros com centenas de anos. A forma do papel, a tinta, as traças que dele se alimentaram são únicos. Contém um conhecimento que não está imune a todas as maleitas mas não corre o risco de se perder num infinito informático, numa realidade extra-sensorial que damos por adquirida mas que não o é.
Um livro existe, não é o mero resultado de um código binário.
Um livro dá emprego: tipografias, distribuidores, livreiros entre outros. Um livro é vida!
Cumprimentos,